sexta-feira, 11 de julho de 2014

Dos filmes sobre solidão parte I - Movern Callar (2012)

  Curiosamente, a cerca de 5 anos, comecei uma odisseia em busca de filmes que tratassem da solidão. Tive a sorte de encontrar alguns muito bons, inclusive dignos de fazer parte de um top 10 sem remorso.
  Movern Callar não foi o primeiro nessa aventura, mas escrevi o texto abaixo a um tempo e vou começar com ele as postagens "dos filmes sobre solidão".
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  O que você faria diante da morte de alguém com quem você convive e ama demais? Choraria? Iria ao enterro todo vestido de preto? Faria mil orações? Viveria um luto indeterminado?
   Aposto que seria julgado impiedosamente alguém que não se utilizasse desses mecanismos para expressar a dor diante da perda, superando qualquer expectativa do senso comum. De certo, alguém que não age assim só pode ser um sem sentimento e de escrúpulos mínimos. Ou não. 
   Samantha Morton é responsável por interpretar Morvern Callar.
  Morvern surge de águas turvas, apática e anêmica, um personagem que parece ser dona de uma insensibilidade repulsiva e desprendida de qualquer noção de ética. 
  A história apresenta a protagonista acordando na manhã de natal e encontrando seu namorado morto no chão, entre a cozinha e a sala, enquanto as luzes na árvore de natal piscam debochadamente.

                                    

 Antes de qualquer lágrima ou de qualquer desespero, Morvern percebe que o namorado deixou um recado na tela do computador, afirmando seu amor por ela. Tudo isso é lido rapidamente até descobrir que há também um novo romance escrito e finalizado, para que ela pudesse publicar postumamente.
  O que faz a simples balconista de um supermercado diante desse romance promissor? Troca o nome do autor pelo dela e o intitula "O Romance de Morvern Callar". 
  Tarefa de apropriação concluída, Morvern parte para a venda do escrito que nunca se deu ao trabalho de ler.  Enquanto isso o corpo do seu namorado apodrece na casa. Então, um dia de faxina torna-se um ritual de limpeza da alma. Esconde os vestígios do suicídio, dá fim no corpo e decide voltar a viver. Lágrimas? Pra quê?
  Esse acontecimento acaba tornando minha heroína cada vez mais mergulhada na obscuridade, trancafiada em um mundo soturno e de pouca esperança, refletidos em sua expressão sempre séria habitado em sua postura rígida. Mesmo recebendo uma boa quantia em dinheiro com a venda do romance, além daquilo que o falecido deixou no banco, Morvern não sorri, não expressa qualquer tipo de alegria verdadeira. Sua viagem, suas festas, as noitadas regradas de álcool e sexo, até mesmo a companhia da melhor amiga não conseguem derrubar o muro do isolamento que ela própria criou em torno de si.
   Ela caminha acompanhada, permanecendo sozinha. 
   É crueldade julgar essa moça de 21 anos por ter se apropriado do texto de seu namorado suicida? No texto deixado por ele no computador a frase "Seja Forte" foi levada a risca por Morvern. Ela publicou o texto "dele" em seu nome por este ter deixado de existir, mas não seria mais proveitoso publicar em nome do verdadeiro autor e ganhar maior notoriedade devido ao fato do suicídio? Talvez a experiência do reconhecimento, pelo qual Morvern nunca passou, a tenha incentivado a tomar tal atitude. Ela permaneceu ativa em um jogo sorrateiro entre o oportunismo e o último desejo do namorado.
  O filme nos coloca em questionamento contínuo. Deve-se estacionar a vida em uma esquina lúgubre e perecer ou se permitir viver de forma mais confortável e despreocupada, pouco importando os meios? Não basta declarar Morvern como uma mulher "fria e calculista", ela é uma sobrevivente, uma combatente na selva de pedra que não lhe deu muitas oportunidades e, quando a premiaram, não havia como recusar. 
  Sem coitadismos, apenas uma respiração mais funda pra continuar sobrevivendo.

30.06.2011 - Editado

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