terça-feira, 15 de julho de 2014

Dos filmes sobre solidão parte II - The Brown Bunny



     Silêncio...alguns murmúrios...uma dor insuportável. 
   O filme é isso, uma trilha magistral embala longas viagens de carro seguida de silêncio perturbador. Bud é o homem ferido e solitário, que aprendeu a ser evasivo. Um espaço completamente anulado, onde habitava seu coração, perdeu o sentido sem a doce e inconsequente Daisy.
  Vincent Gallo, o másculo ator, cantor, artista, prostituto e delicioso galã é o protagonista Bud, com resquícios perceptíveis dele mesmo. Chloë Sevigny é Daisy, a margarida que transformou a vida de Bud numa estrada sem qualquer destino, tão extensa e não pavimentada que deixa qualquer espectador curioso em entender o quê diabos essa criatura fez para Bud viver atormentado com tamanha amargura e sofrimento.
    A vida perdeu sentido. Bud só se importa em expandir a dor, afim de dissipá-la com novas experiências. Busca em novas relações preencher o vazio que o perturba, despovoar os pensamentos dos fatos que mataram sua paz.
    Surpreendentemente, ele encontra três flores pela estrada - Rose, Violet e Lilly – ambas habitadas pelos demônios da tristeza, da aflição e da melancolia. Bud procura nelas aquilo que Daisy (a flor margarida) fez questão de deixar em falta. Ele não encontra. O norte não é apontado na bússola. Ele se perdeu na desilusão. Está a deriva.
    Este é o segundo longa de Vincent Gallo como diretor e ator (o primeiro: Bufallo 66).  Brown Bunny retrata a desilusão em sua forma mais perversa, desencadeada em uma forte solidão que o protagonista consegue identificar e tenta reverter, criando situações que eventualmente nos inserem em atmosferas mais positivas, mas o retorno à fossa é irremediável. Bud inclusive retorna a casa dos pais de Daisy, onde a mãe desta cria um coelho marrom que dá nome ao filme. Sua carne exerce as atividades cotidianas enquanto sua alma, em frangalhos, se dissolve em um potencial veneno mortífero.
     Brown Bunny é reconhecido, infelizmente, por sua cena de sexo explícito no final. Um desfecho que se sobressai à totalidade da obra para quem não se propõe a apreciar o filme. O importante para compreender Brown Bunny é dar atenção àquilo que finalmente Bud expressa no final do filme, suas confissões para a amada antes da cena sexual. A “boca na botija” vem ser uma tentativa de controle do macho que não aceita sua fêmea em outros braços, seu ato revela uma necessidade de marcar território. Sua dor é irreversível...sua margarida já não pode ser submissa...ela já não pode amar...tudo é irreversível.
                                                    

      A trilha possibilita uma experiência auditiva incomparável. Vincent Gallo escolhe com muito bom gosto o repertório musical de seus filmes. Gordon Lightfoot - Beautiful embala um dos momentos mais bonitos do filme, em que Bud dirige pela estrada numa tarde chuvosa enquanto o radio ligado gradativamente revela a canção. Com sua voz grave, uma melodia majestosa, letra de amor e contemplação do ser amado, Lightfoot proporciona um momento de prazer mergulhado na aflição do protagonista. Nunca ouvi uma canção tão maravilhosa como essa. John Frusciante também compõe a trilha sonora, mas não aparece no filme, apenas recheia o disco, INFELIZMENTE.


É quase impossível dissociar Gallo de polêmicas. Ele é o artista contemporâneo que nunca tira férias. Inclusive aqui, além de vender sua arte, camisas, livros e fotografias ele também negocia seu tempo, corpo e esperma por uma quantia astronômica. Claro que ainda tenho esperanças, mas falta muito. 

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